Em Compasso de Espera

08:56 Clementino Junior 2 Comments

Assisti finalmente, apesar de há tempos ter o DVD "Obras Raras" compilação organizada por Zózimo Bulbul, ao filme Em Compasso de Espera, de Antunes Filho.
Nesta coleção (Obras Raras), um dado interessante é que boa parte dos filmes sobre a questão do negro, e em sua maioria realizadas por diretores negros, são obras únicas destes cineastas de "um longa-metragem só", nos quais incluem-se além do teatrólogo Antunes Filho (que junto com Nelson Pereira dos Santos são os dois cineastas brancos do DVD) Waldir Onofre, Haroldo Costa, e o próprio Zózimo Bulbul.
Antunes Filho é considerado um dos grandes encenadores do teatro brasileiro, tendo seu período de destaque dos anos 60 aos 80. Em Compasso de Espera foi sua única experiência cinematográfica, guiado por um texto militante e sem filtros sobre conflitos sociais, inspirado na obra de Florestan Fernandes (o livro Brasil: Em Compasso de Espera foi publicado em 1980, anos depois), e sem suavizar na exposição do racismo no Brasil.

Em Compasso de Espera se destaca por ser um dos primeiros filmes a apresentar um protagonista negro de classe média, no caso o personagem Jorge (Zózimo Bulbul), poeta e publicitário que administra uma relação de trabalho e cama com uma mulher branca mais velha, e que se apaixona e vive um romance com Cristina, uma jovem mulher branca e rica (Renée de Vielmont, belíssima).
Apesar de começar com discursos sociais e raciais durante a apresentação do personagem Jorge, o filme engrena um bom ritmo dramático à partir do encontro de Jorge e Cristina, e de toda a gama de preconceitos e relações de pertencimento aos quais o casal se expoem. Quando falo de pertencimento, me refiro ao fato de que Jorge não encontra uma relação livre de preconceitos em nenhum lugar. No emprego é discriminado tanto pelos clientes quanto por sua patroa/amante, que chega a citar o clichê diante dos clientes alemãs de sua agência de publicidade: "não se preocupem, Jorge é negro de pele, mas tem a alma ariana"... Na família a mãe humilde admira o filho enquanto a irmã (Léa Garcia, belíssima mesmo com os enormes óculos de época) não aceita o afastamento deste, que não as convidou para o lançamento de seu livro. Os amigos negros (dentre os quais Antônio Pitanga e a hoje famosa cantora Rosa Maria) são um mundo frequentado por ele longe do ambiente de brancos ricos e intelectuais, mundo este que espelha o ambiente de conflito deste negro que se vê pressionado pelo racismo vigente a ser o talentoso poeta "apadrinhado" pelos ex-patrões de sua mãe para publicar e ter boas críticas, ao publicitário "apadrinhado" por uma mulher branca mais velha que vê nele um objeto para a sua satisfação sexual, e por todos aqueles que se incomodam pela presença desta "excessão à regra" em seu ambiente.
A cena em que numa fuga para praia (a história se passa em Sampa) eles, enquanto namoram na praia, são humilhados e espancados por homens racistas que os flagram, denunciados por pescadores que desconfiam da "porcaria" que a mulher branca faz com um homem negro, é o ápice das diversas situações que acontecem (em algumas cenas de forma exagerada, mas não irreal).
Um ponto positivo do filme é a qualidade dos diálogos, que mantém a história interessante e a trama rica, agregando valor ao discurso de militância racial nítido na trama.
O dado interessante é que no mesmo ano (1969) Zózimo Bulbul protagonizou na TV Brasileira com a musa Leila Diniz, a primeira novela a ter um ator principal negro: Vidas em Conflito, na TV Excelsior.
Zózimo mais tarde se destacou por seu trabalho de diretor nos clássicos filmes "Alma no Olho" (curta-metragem - 1973) e "Abolição" (documentário em longa-metragem - 1988), obras de importante referência sobre a história afro-brasileira.

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2 comentários:

  1. Olá, Clementino
    passando para dar um alô e conferir seus escritos, sempre muito interessantes.
    Quando teremos sessão na Casa do Rui?
    grande abraço.

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  2. Se a sessão for neste sábado, não estarei no Rio. Vou Valença, aliás, não sei se você conhece Rio das Flores (vizinha a Valença, no Vale do Café). Em novembro acontecerá lá uma festa afro.

    Tenho amizades lá, na área de Turismo, e estão me pedindo umas dicas, quem sabe a exibição de filmes, uma palestra??? Vamos conversar a respeito? Eu não mando nada... rsrsrsrsrs... mas dou a maior força.

    Avise depois a data do Atlantico Negro na casa do Rui.
    abção.

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